Livro, Isto – Pedaço da Vila (online), 16 de abril de 2014

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Entre (linhas)

Ao iniciar uma série de cartuns para ilustrar semanalmente o blog da editora Companhia das Letras, o artista plástico e ilustrador Chico França passou a dar mais atenção às peculiaridades que envolvem o mundo dos livros, inspirando-se em leitores, obras e escritores para criar desenhos marcados pela ironia fina e sacadas inteligentes.

Na edição de março de 2013, o Pedaço da Vila falou sobre o trabalho do vizinho, suas influências, entre elas a do cartunista romeno Saul Steimberg, e sua rotina de trabalho. Agora, Chico França selecionou 82 cartuns para integrar seu primeiro livro, a coletânea Livro, isto, recém-lançado pela editora Terceiro Nome.

Artista que encara os cartuns como um trabalho estritamente mental, , retratar as obsessões literárias se transformou numa bem elaborada brincadeira de ideias. “O material das observações cotidianas passa por um processo de reelaboração, de onde surgem novas relações que, muitas vezes, rompem o fio da realidade”, diz.

Transitando entre o irônico e o nonsense, seus cartuns em preto e branco, quase desprovidos de diálogos, recriam situações inusitadas e pequenas obsessões literárias, jogando com linhas finas e deixando uma interrogação em suspensão.

Acomodado em uma confortável poltrona, sob a luz de uma luminária, um livro segura um espelho para ler a si mesmo; enquanto isso, no lançamento da obra Quem Nasceu Primeiro?, a autora, uma galinha, autografa para uma fila interminável de leitores ávidos pela resposta definitiva para a emblemática pergunta. Esses, entre outros cartuns, fazem parte do livro.

Para o artista Guto Lacaz, que assina o prefácio da obra, Chico França “é preto no branco – o jeito clássico –, um desenho singular, portador de ótimas ideias, faz um monte de cartuns sobre livros, um melhor que o outro”.

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Itamar Assumpção – Cadernos Inéditos | Diário do Nordeste (Caderno 3), 14 de abril de 2014

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Itamar, poeta no plural

Livro reúne escritos deixados pelo compositor Itamar Assumpção em seus cadernos

Em 2003, quando Itamar Assumpção morreu, sua mulher, Elizena, doou boa parte dos objetos pessoais do músico a amigos. Separou alguns para a família, como os óculos escuros extravagantes que ele gostava de usar nos shows e poucos instrumentos. O mais importante ela manteve guardado num armário de casa, para só mexer quando vencesse a saudade: sete caixas de papelão com 110 cadernos rascunhados de músicas, versos soltos, desenhos, listas de compras, bilhetes de desculpas, contos infantis, crônicas e poesias, muitas poesias.

O material foi compilado e finalmente lançado no livro “Itamar Assumpção: Cadernos inéditos”, da Editora Terceiro Nome, em parceria com o Itaú Cultural. A edição deveria ter chegado às livrarias em 2012, mas acabou recolhida às pressas porque alguns poemas encontrados naqueles rascunhos não seriam de Itamar. Depois de identificados, foram mantidos na nova edição com o registro das devidas autorias.

“Ele escrevia o dia todo. Não tenho recordação de um dia do meu pai sem que ele estivesse com um desses cadernos nas mãos. Tudo começava ali. É uma grande descoberta, mesmo para quem já conhecia a obra dele”, conta a também cantora e compositora Anelis Assumpção, caçula de Itamar. “Se ele estivesse vivo, ia causar na internet. Era a cara dele ficar soltando tiradas, poemas e observações bem-humoradas, como fazia nesses escritos”.

Foi ela quem acabou fuçando as caixas com a irmã, Serena. Uma reforma no imóvel da família, em 2006, exigiu que o arquivo fosse movido do lugar. Anelis percebeu que, no meio dos cadernos espirais – sempre do mesmo modelo universitário, com fotos de paisagens, carros ou motocicletas na capa -, estava transcrito todo o processo criativo do pai, um dos principais expoentes da Vanguarda Paulista, no início dos anos 1980, ao lado de Arrigo Barnabé e do Grupo Rumo.

Com a ajuda da mãe, da irmã e do compositor Marcelo Del Rio, amigo de Itamar e vizinho da família, Anelis começou a digitalizar o material no ano seguinte para usá-lo no filme “Daquele instante em diante”, documentário que o diretor Rogério Velloso fazia na época sobre o artista e que foi lançado em 2011. Até ter a ideia de transformar todos os cadernos do pai num livro.

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Itamar Assumpção – Cadernos Inéditos | Jornal da USP, 14 de abril de 2014

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Fragmentos de Itamar

Compositor, músico e poeta, Itamar Assumpção foi “artista do submundo”, ficou na periferia do meio artístico de sua época. Hoje, sua obra recebe reconhecido valor e seus escritos estão compilados em livro

STELLA BONICI

“Não preciso de tudo./ Só preciso de tudo que preciso”. Sensível, simples e romântico, o músico e compositor Itamar Assumpção (1949-2003) não parecia querer muito da vida. Queria apenas o necessário, e escrevia sobre tudo o que sentia. O Instituto Itaú Cultural em parceira com a Editora Terceiro Nome acaba de lançar Itamar Assumpção – Cadernos Inéditos, uma coletânea que reúne textos extraídos de 60 cadernos do compositor, organizados por Serena e Anelis Assumpção, filhas, Elizena, esposa, e Marcelo Del Rio, amigo pessoal do músico.

Itamar Assumpção foi um dos grandes ícones da vanguarda paulista, movimento que aconteceu na cidade de São Paulo entre o final dos anos 70 e o começo dos 90. Parte desse movimento consistia em lançar produções independentes, sem contratos com grandes gravadoras, e, como seguidor do grupo, Itamar cumpriu sua palavra. O músico também foi fundador da banda Isca de Polícia, conhecida por suas letras ácidas e carregadas de críticas, com quem rompeu após algum tempo. Em seguida, formou o Orquídeas do Brasil, mas seu desentendimento com o Isca não durou tanto tempo, e o artista continuou tocando com as duas bandas.

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Florestas do meu exílio – Revista Estudos Avançados (USP), abril de 2014

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Um retrato de valor inestimável

Betty Mindlin

Instituto de Antropologia e Meio Ambiente, Iamá. São Paulo/SP, Brasil

Ondas de esperança nos inundam com este livro de João Capiberibe, uma autobiografia inacabada. Esta começa quando o menino de sete anos deixa pela primeira vez a distante floresta de Marajó, ao embarcar para Macapá; termina com a saída para o exílio no Canadá, logo depois do golpe militar no Chile, em 1973. Há apenas alguns comentários sobre episódios posteriores à volta ao país em 1979, graças à Lei da Anistia. Emerge das páginas um dos melhores brasileiros da atualidade, e uma das mais solares brasileiras, sua mulher Janete.

Seguimos com o coração aos pulos um percurso heroico. Os dois são presos pela repressão em 1970, com pouco mais de 20 anos de idade. Janete, grávida de oito meses, consegue, após passar muito mal, dar à luz a filha Artionka e ser solta, enquanto João é levado de uma cadeia a outra por quase um ano, submetido a todos os horrores da época. É a fibra de ambos, mantida uma chama contínua de otimismo e força de vontade, que os faz vencer, com muitos apoios e acasos, “fortuna e virtù“: dá certo a sua fuga romanesca da prisão, inimaginável nesses tempos sombrios, sonhada desde o primeiro dia! Seguem-se outras, tão ou mais terríveis, no trajeto para Santarém, Manaus, Porto Velho, Guajará-Mirim, Guayaramirim, Cochabamba. De lá, a passagem clandestina, sem documentos, dinheiro ou pertences, com a menina de colo, para La Paz e Desaguadero, em uma Bolívia esfuziante e revolucionária, que sofre um golpe poucas horas depois da chegada dos três. Escapam da morte por um fio, em direção ao Peru e ao Chile, onde finalmente se instalam e têm por um ano e meio a experiência de viver em um assentamento rural, uma utopia se não fosse verdadeira. Estudam, plantam, têm gêmeos gerados durante a primeira fuga. Novo golpe, o de 11 de setembro de 1973; após lances de risco e pavor, obtêm por fim o visto de imigrantes no Canadá.

Sofrimentos inauditos e salvações milagrosas são o signo da vida do casal. O livro não se dedica ao retorno ao Brasil, quando João elegeu-se prefeito de Macapá em 1988, governador do estado em 1994 por dois mandatos, e senador em 2002, mandato interrompido pelas garras da prepotência política e econômica, ainda mais nítidas no Amapá que nas raí- zes maranhenses, e que resultaram em sua cassação. Em 2010, foi reeleito para o Senado. Janete foi vereadora de Macapá, deputada estadual do Amapá por três mandatos, foi eleita deputada federal em 2002, cassada em 2005, como o marido, e novamente eleita deputada federal em 2006 e 2010. E hoje, 2013, o menino nascido no Chile, Camilo, gêmeo de Luciana, é o governador do Amapá. A floresta é devastada no Brasil, os índios enfrentam a mais séria ameaça de todos os tempos às demarcações, mas no Amapá as diretrizes são outras – embora nem sempre vitoriosas.

Vários ângulos ressaltam do longo depoimento de João e nos fazem pensar sobre a alternância de opressão e liberdade, ao longo de uma luta sem trégua. Talvez o primeiro seja o temperamento bem-humorado, a confiança no sucesso, a facilidade de diálogo e o afeto que permeiam todos os contatos humanos dos dois. Em cada canto, na cadeia, nos barcos, na vizinhança, nos paus-de-arara, eles fazem grandes amigos e aliados. Pode-se imaginar que esse caráter luminoso se deva, por um lado, à origem na floresta, em pequenas comunidades, isoladas, mas onde todos se conhecem e valorizam as relações pessoais; e por outro, à força da militância organizada, e de uma visão estudiosa de como chegar à justiça, à igualdade social, à preservação ambiental e aos direitos humanos.

Um outro ângulo é o retrato da ditadura brasileira, comparando-a à situação dos vizinhos, com pinceladas sobre os acontecimentos na Bolívia, no Peru, no Chile, e sobre o triste papel dos Estados Unidos. São evocados os grandes companheiros de resistência, os mais humildes, os intelectuais, a família. Um retrato de valor inestimável para os jovens, os estudantes, as escolas, todos os que vieram depois e hoje buscam construir e mudar o mundo como o João e a Janete de então, que jamais perderam o norte anterior; ao contrário, tornaram concretos seus anseios.

Central, ainda, é a recriação do que são as prisões brasileiras, certamente mais trágicas durante a ditadura, mas ainda agora com muitos dos mesmos traços. A descrição emocionada e viva de Capiberibe, transportando-nos para dentro das grades como se fosse o presente e se fôssemos nós os protagonistas, insere Florestas do meu exílio em uma vasta tradição, da qual são paradigmáticos Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, ou Ressurreição, de Liev Tolstói, a par de tão numerosas obras e filmes recentes, aqui ou em outros países. Podemos ver a escrita de Capiberibe sobre o que viveu na pele como um libelo contra o sistema prisional, que é tão urgente substituir por alguma outra instituição que faça valer a lei e reafirmar valores de convivência.

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